Marx saiu do purgatório?
A crise em que nos encontramos representou o toque de finados do neoliberalismo e parece ter retirado do purgatório Karl Marx
No Verão é habitual as editoras publicarem muitos livros esquecidos, biografias, literatura de viagens e as grandes revistas lançarem hors-série, com sentido retrospectivo mas de grande actualidade.
É o caso da revista francesa Le Point que publicou um número dedicado a Karl Marx, sobre o que verdadeiramente escreveu, como o seu pensamento foi manipulado, bem como a sua história e herança. É um caderno com cento e vinte e tal páginas, escrito por autores entre os maiores economistas, politólogos, sociólogos e historiadores, polémico, de vários ângulos político-ideológicos, facilmente compreensível - o que nem sempre foi o caso de Marx, quer como economista quer como filósofo, neo-hegeliano - com extremo rigor e clareza, que recomendo vivamente aos meus leitores.
Como é sabido, fui comunista na minha juventude, entre 1942-1949 e durante esses anos - e mesmo depois deles - considerei-me marxista. Mas nunca consegui ler o Capital, de que, aliás, tenho duas edições, uma em português do Brasil e outra em francês, nem outros livros e ensaios mais filosóficos ou de teoria económica. Fiquei-me pelo Manifesto Comunista, escrito em colaboração com Engels, por livros de história, como o 18 de Brumário de Luís Bonaparte e, obviamente, pela cartilha marxista, que surgiu, em Portugal, no final da Segunda Grande Guerra, quando era moda falar do marxismo-leninismo, de Marx, Engels, Lenine e Estaline e muito mais tarde de Mao-Tsé-tung, que nunca me convenceu... Aliás, diga-se de passagem, os escritos de Estaline, então considerado o pai dos pobres, eram os mais lineares e claros.
Marx, todos o sabemos, exerceu uma influência profunda no movimento operário e revolucionário do séc. XIX e XX, apesar de ter morrido em Março de 1883. Porque foi a referência fundamental de Lenine, embora longe de Marx pelo culto da violência e a exterminação dos inimigos, e de figuras mais humanistas, como: Karl Kautsky, Eduard Bernstein, Plekhanov, Trotsky e Antonio Gramsci. Para não falar de Mao-Tsé-tung, Ho-Chi-Minh e tantos outros.
Curiosamente, há 20 anos, com o fim do muro de Berlim, da Cortina de Ferro, e o colapso do colossal embuste, que foi a União Soviética, Karl Marx parece ter caído no purgatório, senão mesmo no inferno. Com o aparecimento em força do neoliberalismo, a teoria do fim das ideologias, de menos Estado e os valores humanistas substituídos pelo dinheiro e a hegemonia dos mercados.
A crise de 2008-2009, em que nos encontramos, representou, contudo, o toque de finados do neoliberalismo e parece ter retirado do purgatório Karl Marx, ele que não acreditava em Deus e que, na linha do filósofo e historiador alemão Feuerbach, acreditava que Deus era uma criação humana.
A verdade, porém, é que Marx parece estar - com a actual crise - a sair do purgatório. Vejam-se as biografias que se têm publicado de Marx, como a de Jacques Attali Karl Marx ou l'Esprit du Monde, como as universidades americanas e europeias voltaram ao seu estudo. E agora o caderno hors-série que tenho estado a comentar.
Porquê? Porque se o capitalismo não acabou - apenas o capitalismo financeiro-especulativo, sem valores éticos -, o socialismo democrático também não: um "socialismo de rosto humano", como se pretendia antes da queda do Muro, com valores democráticos, humanistas e éticos, que Marx na sua obra nunca renegou, apesar de ter preconizado a "ditadura do proletariado" e a luta de classes, num sentido diferente ao que lhe deram depois...
Vau, 20 de Agosto de 2009
http://aeiou.visao.pt/marx-saiu-do-purgatorio=f526421
Mais um excelente texto do Dr.Mário Soares, é verdadeira extraordinária a capacidade de acompanhar o mundo deste grande, grandioso Político.
sexta-feira, 21 de agosto de 2009
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